domingo, 6 de dezembro de 2009

Existe racismo no Brasil?

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Em entrevista concedida à Revista Fórum, Kabengele Munanga* denuncia a farsa da democracia racial, defende o sistema de cotas e discute o espaço do negro na sociedade.


(Eu também acreditava na tese de que o preconceito no Brasil era apenas de classe social, mas hoje vejo que não é apenas a pobreza que incomoda. Claro que o apartheid social existe, mas o racismo também. Ambos causam estragos grandes demais para continuar camuflados. Ainda estamos longe de alcançarmos a democracia racial e isso pode ser comprovado todos os dias em nossas relações pessoais. O problema é que a orientação social é fazer de conta que não vimos, não ouvimos, que não sabemos de nada! Como disse Einstein, "Tristes tempos os nossos! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.").
Iranildes Costa



Nosso racismo é um crime perfeito

Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria [Terça-Feira, 18 de Agosto de 2009 às 15:15hs]



Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?

Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.

Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram.

A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia?

Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer. Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão... A geografia do seu corpo não indica isso.

Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira. (...)

Para ler a entrevista na íntegra (acredite, vale muito a pena), clique aqui. Encontrei o link no blog Liberal, Libertário, Libertino.

A página da internet da qual esse trecho foi retirado está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

Edição 77 • Agosto de 2009


*Kabengele Munanga

Possui graduação em Curso de Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi (1969) e doutorado em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1977) . Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, Membro de corpo editorial da África (São Paulo), Membro de corpo editorial da Tricontinental - Revista PEC-G (UFPB) e Membro de corpo editorial da Humanitas (PUCCAMP). Tem experiência na área de Antropologia , com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras. Atuando principalmente nos seguintes temas: mestiçagem, identidade nacional, Identidade Negra.

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