sábado, 15 de maio de 2010

O IMORTAL SEM FARDÃO

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Tenho a honra de publicar mais um artigo do Professor universitário, economista e jornalista Helington Rangel aqui no Diálogos na Rede.  Leia e não esqueça de comentar.

O IMORTAL SEM FARDÃO

Se ainda vivo, Dorival Caymmi teria completado 96 anos no último dia 30 de abril – e com a morte separou-se do estilo inconfundível de celebrar costumes e tradições do povo baiano, com naturalidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica, conduzindo a energia e força da música negra.

A palavra academia deriva de Academus, herói mitológico da guerra de Tróia - e Platão desenhou o perfil da primeira congregação convencido a interligar distintas áreas do conhecimento. Fundada pelo Cardeal de Richelieu, quase metade do século XVII, a Academia Francesa tornou-se alicerce do padrão da Academia Brasileira de Letras - por gravidade, a da Bahia. A fundamental semelhança entre elas reside na característica natural de preservar e aperfeiçoar a língua como patrimônio comum a todos.

Apesar de o Presidente da França ser patrono da instituição, segundo o estatuto, somente cinco chefes de Estado foram conduzidos ao pedestal dos imortais na sua existência próxima a 400 anos. Ao contrário, a Academia de Letras da Bahia acolhe políticos influentes, habituados à sombra protetora do ghost-writter, geralmente mensageiro de erudição, destoante do jeito rude do aparente autor – e com extensa produção intelectual, em refinada criação e linguagem, Dorival Caymmi nunca teve abrigo da corporação.

Para ventilar o tradicional espaço carrancudo, a Academia Brasileira de Letras abriu as portas do convívio a Martinho da Vila, filho de lavradores, compositor em diferentes ritmos brasileiros, como incansável pesquisador, além de idealizador do espetáculo louvado no país: Concerto Negro, focando a cultura negra na música erudita.

Numa reunião festiva para ouvir canções e esgrimir conversa, talvez, a Academia de Letras da Bahia possa também eliminar o cheiro do tempo que passou: entregar o fardão extemporâneo aos três filhos de Dorival Caymmi, numa expressão singular de elasticidade de espírito e pedido de perdão pelo esquecimento histórico. Mas se nada acontecer, certamente Dorival Caymmi sobreviverá na memória dos homens, na perenidade dos gênios.

Helington Rangel


Professor universitário, economista e jornalista

helingtonr@msn.com


Créditos da Imagem: Mario Carvajal, sob uma licença Creative Commons.

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1 Comentários O IMORTAL SEM FARDÃO

15 de maio de 2010 às 00:48

Uma dívida que nos envergonha e deprecia o inestimável valor deste grande artista. Dorival, que cantou seu amor à Bahia, assim como os grandes gênios da história da arte, não teve seu devido valor reconhecido em vida, pelo menos não pela citada Academia, mas sua arte se eternizou em incontáveis corações, que continuarão a cantar seus versos enquanto observam " o mar quebrando nas praias" do Brasil afora...
Obrigada professor, por seu brilhante artigo.

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